O texto abaixo é de autoria de Clayton Mamedes e encontramos sua publicação datada de 20/12/2008 no site RedeRPG. Apesar disso, é um texto pouco conhecido e difundido. Não é extremamente preciso ou completo, mas até hoje é um dos textos mais relevantes sobre o assunto produzidos por um brasileiro e em língua portuguesa. Para nós, leitura obrigatória. Três anos depois, reproduzimos o texto na íntegra com autorização do autor e mantendo os links originais (alguns dos quais, sabemos, já estão quebrados).
Todo mundo que joga RPG há algum tempo já ouviu falar (ou até mesmo já
jogou) Live Action, porém não custa dar uma pequena recapitulada.
Live-action
ou Ação ao Vivo é um jogo de RPG onde tanto os jogadores quanto NPCs
interagem de forma real, ou seja, interpretando literalmente o seu
personagem, tanto na maneira de se vestir, comportamento, etc. Para
tanto a ação se desenvolve em tempo real em um local predeterminado,
sendo uma reprodução das localidades onde a trama se desenrola. O grande
tema dos LARP (Live Action Role Play) é a imersão total, seja na forma
da ambientação, caracterização das pessoas e diálogos. Para muitos, as
partidas de LARP acabam se transformando em uma imensa válvula de
escape, ou uma maneira de se desligar do mundo real por alguns
instantes.
Origens e Histórico dos LARPs
LARPs
têm sua origem provavelmente em jogos de criança; aqueles do tipo “Índio
e Cowboy”, “Casinha” e “Médico”. O mais interessante ainda é que estes
jogos possuem raízes em atividades muito mais antigas, equivalentes em
diversas culturas durante a história da Humanidade. Tecnicamente muitos
jogos de criança são simples LARPs. Assim, o conceito geral deste tipo
de jogo está presente entre nós desde a Antiguidade. Contudo, a
introdução dos RPGs de mesa no EUA em meados de 1970 ajudou muito o
desenvolvimento do estilo de LARP que hoje é praticado por adultos.
LARPs
provavelmente foram inventados a partir do nada muitas vezes, por
diferentes grupos em diferentes localidades, apoiando-se nas idéias,
conhecimento e tradições da região, assim como se inspirando em relatos
de LARPs estrangeiros. Este fato fez com que o jogo se espalhasse por
diversos paises, figurando diversos estilos de contar e viver histórias.
LARPs
têm sido praticado por adultos há milênios. Na Roma Antiga, China e
Europa medieval existia um tipo de atividade onde os participantes
fingiam ser pessoas de idade mais jovem, apenas com o objetivo de puro
divertimento. De forma análoga, os LARPs também foram utilizados para
exercícios, com combates falsos (kriegspiel ou War Games) servindo como
treino militar, cirurgias e julgamentos de mentira para médicos e
advogados.
Outro aspecto inicial dos LARPs é a improvisação
teatral. O teatro de improvisação moderno surgiu durante as aulas de
“jogos teatrais” de Viola Spolin e Keith Johnstone em 1950 que
utilizavam os exercícios como técnicas para o treinamento de atores. Já o
livro de G. K. Chesterton publicado em 1905, o The Club for the Queer
Trades mostra uma história descrevendo uma organização comercial através
de aventuras cujos estágios lembram um LARP. Possivelmente esta obra
foi uma grande inspiração para os jogos comerciais.
Existem
registros de jogos estilo LARP criados nos EUA dos anos 20, normalmente
por clubes e entidades semelhantes, com o objetivo de recreação. Também
há indícios de LARPS de assassinatos numa Nova York de 1920, assim como o
surgimento de jogos para fins psicoterapêuticos, chamados de
psicodrama, chefiados por Jacob L. Moreno.
Nos anos 60 tivemos a
criação dos LARPs de Fantasia, originados com a fundação da Society for
Creative Anachronism, na Califórnia em 1966. Outro grupo similar também
em Maryland, promovendo a recriação precisa da história e cultura
medievais, com leves elementos de fantasia.
Após a publicação do
primeiro RPG de mesa, o famosíssimo Dungeons & Dragons em 1974, os
LARPs de Fantasia começaram a se desenvolver em vários locais de forma
independente.
Estilos de LARP:
Assim como os
RPGs de mesa, os LARPs podem ser classificados em alguns estilos básicos
de jogo, sendo que existe uma imensa área de intersecção entre os
mesmos. A classificação abaixo é abrangente o suficiente para enquadrar
vários vertentes de jogo.
Avant-garde:
Muito comum em
paises nórdicos, LARPs avant-garde ou arthaus são eventos ecléticos que
utilizam temas e técnicas experimentais, inspirados em alta cultura
finas artes. Normalmente são jogados em festivais de arte, museus ou
teatros com temas centrados em aspectos reais de nosso mundo, como
política, cultura, religião, sexualidade e condição humana.
Festival:
Um
LARP Festival reúne centenas de participantes, normalmente divididos em
facções rivais acampadas em um grande campo. Geralmente reproduzem
temas medievais. Muito comuns na Europa, Reino Unido e Canadá.
Linear:
Consiste
em um jogo onde um pequeno grupo de PCs encara uma série de desafios
oriundos de NPCs. Como este estilo de LARP tem como principal
característica ser altamente controlado pelo GM e equipe, é chamado de
linear.
Manipulativos:
LARPs deste tipo misturam
ficção com realidade do dia moderno, criando um aspecto de realidade
alternativa. Eventuais observadores que não estão cientes de que se
trata de um jogo podem ser tratados com parte da trama ficcional, assim
como materiais do mundo real como websites.
Teatral:
Um
LARP teatral caracteriza-se por combates simbólicos, uma abordagem
eclética ao gênero e cenário utilizados, e extremo foco nas interações
entre os personagens, que são escritos pelo Mestre. Normalmente são
jogados durante convenções, durando poucas horas e requerendo
pouquíssima preparação pelos jogadores.
Gêneros de LARP
Espionagem:
São
inspirados por ficção de espiões, como a série 007. Algumas vezes se
baseiam em temas do mudo real, com o objetivo de melhorar a
identificação entre jogador e personagem. Costuma evitar o combate.
Fantasia:
Este
gênero de LARP é o mais comum e utiliza ambientações inspiradas pela
literatura e RPGs de fantasia medieval, como Lord of The Rings e
Dungeons & Dragons. Normalmente utilizam combate físico e foco na
competição entre personagens.
Histórico:
Ao invés de
situar a ação no tempo atual ou utilizar cenários de fantasia medieval,
os LARPs Históricos reproduzem o nosso mundo em algum ponto específico
de nossa história, como Inglaterra Vitoriana, Os Anos 20, Guerra-Fria,
etc. A precisão histórica e a utilização de Props (ver mais adiante) e
vestimentas adequadas, são altamente valorizadas neste tipo de LARP.
Horror:
Utilizam
a rica ficção de horror como inspiração, indo de aventuras cujo tema
seja um Apocalipse de Zumbis até o horror psicológico dos Mythos de
Cthulhu.
Simulação Militar:
Foca na simulação de
operações militares, muitas vezes utilizando combate real com pistolas
de paintball e similares. Alguns grupos mais dedicados simulam os
combates com tanta realidade que acabam lembrando exercícios militares
reais.
World of Darkness:
Baseado no RPG de mesmo
nome, publicado pela White Wolf, este tipo de LARP utiliza o cenário
punk-gótico do seu primo de mesa, onde os jogadores interpretam
criaturas sobrenaturais como vampiros e lobisomens. Usualmente se
utiliza os sistema Mind’s Eye Theatre durante as partidas, que
normalmente fazem parte de uma crônica, ou uma série de eventos
interligados. Muitas destas partidas fazem parte do projeto One World bt
Night, onde todo o cenário, tramas e personagens são interligados em um
rede mundial. Trata-se de um dos gêneros mais jogados no mundo.
Ficção Científica:
São
LARPs que utilizam cenários futuristas baseados na literatura e cinema
de ficção, como Star Wars, Star Trek e similares. Costumam arrastar
grande numero de adeptos, principalmente em convenções dedicadas ao
assunto.
A “Realidade” no Brasil
O universo
dos LARPs no Brasil praticamente obedece o mesmo padrão que é observado
na maioria dos outros países. Os gêneros mais jogados são os de Fantasia
Medieval, World of Darkness, Sci-Fi e Horror, porém seguindo algumas
particularidades bem típicas.
No Brasil, como a imensa maioria
dos LARPs são jogados durante convenções, o estilo Teatral acaba
predominando, não importando o gênero do mesmo. O Mestre cria uma trama
inicial (Plot), que afeta um grande número de personagens; o desenrolar
da trama deve-se inteiramente a interação entre os
jogadores/personagens, não existindo (ou em quantidades mínimas) eventos
predeterminados. É só você se lembrar do último LARP que jogou no
EIRPG: o Mestre distribui os personagens, fornece as informações
iniciais, e pronto: o resto é com os Jogadores.
Este tipo de
abordagem também predomina em LARPs de WoD, jogados até mesmo em locais
particulares: devido à estrutura do próprio universo de jogo, o mesmo
acaba se desenvolvendo como uma LARP Teatral, onde as intrigas entre
clãs e politicagem entre as posições formam o caldo grosso da trama. Em
resumo, é um Live Jogador x Jogador.
A esse estilo de jogo, no
Brasil dá-se a nomenclatura informal de LARP de 1ª Geração, por
representar os primeiros eventos jogados aqui em nossas terras, e os
mais comuns lá fora.
Porém, após a chegada ao país das primeiras
cópias do Cthulhu Live um novo fator foi adicionado ao cenário acima: a
abordagem dos LARPs proposta pelo recente livro difere da normalmente
praticada em um simples e direto aspecto: a estrutura Jogador x Jogador
dá lugar a JogadorES x Mestre. Estão criados os LARPs de 2ª Geração.
Outra
mudança importante pode ser percebida no estilo do evento, que passa a
ser predominantemente Linear: ao invés de deixar a trama sob
responsabilidade das ações dos Jogadores, o Mestre possui toda a Plot do
LARP detalhadamente descrita, com ênfase na cronologia dos fatos; é
sabido, por exemplo, que após os personagens acordarem, eles encontraram
uma cópia do antigo tomo maligno.
Com a utilização dos eventos
programados, o LARP tende a ganhar em estrutura, pois a mesma
encontra-se devidamente coesa devido ao controle do Mestre. O fato dos
Jogadores ter que se unirem para superar os obstáculos também adiciona
ao clima de jogo. Como já se sabe o que provavelmente irá acontecer, o
Mestre pode se preparar melhor, criando efeitos especiais (iluminação,
sons, etc.) e props, palavra genérica utilizada para descrever os
objetos que são encontrados pelos jogadores durante o LARP, como
pergaminhos envelhecidos, diários de pesquisadores insanos, tecido
alienígena e tal. A adição de props convincentes melhora e muito o
impacto de uma cena ou ato em um LARP.
Uma nota cabe neste
momento: a utilização de efeitos especiais e props pode muito bem ser
realizada em LARPs Teatrais também (o que é altamente recomendado).
Apenas a estrutura deste tipo de Live que torna a sua utilização um
pouco mais difícil para o Mestre. O ponto fraco do LARP estilo Linear é
que funciona melhor com um reduzido número de Jogadores, inversamente
proporcional ao evento Teatral.
Este artigo não tem como objetivo
estabelecer que uma abordagem para LARPs seja superior a outra. Apenas
tenta oferecer uma visão mais ampliada do que é possível se fazer e que
resultados obter, entendendo de forma bastante abrangente os pormenores
deste tipo de evento. O que vale, no final das contas, e a pura diversão
e a dimensão da válvula de escape que somente os LARPs podem oferecer.
Antes
de realizar o seu próximo LARP, pense um pouco no que foi exposto aqui.
Apesar de ser somente a ponta de um imenso iceberg submerso, deve
provocar um pouco de curiosidade. Pode ser um confronto de uma tribo
bárbara contra cavaleiros de uma ordem mística, ou a luta de um bando de
vampiros neófitos tentando ganhar a confiança dos outros membros da
cidade, ou uma visita a um sanatório para remover um amigo insano... o
que vale é a diversão!
Referências:
1. Play Science – the Patterns of Play:
www.nifplay.org;
2. History of Larp:
www.whyilarp.com;
3. Laivforum:
www.laivforum.dk;
4. H.P. Lovecraft Historical Society:
www.cthulhulives.org;
5. Larp Magazine:
www.larpmag.com